O 4º fórum mundial da bicicleta ocorreu de 26 de fevereiro ao primeiro de março em Medellín, na Colômbia, e o Pedala Manaus esteve presente. O Fórum deixou uma série de lições e um legado muito importante aos usuários de bicicleta na América Latina e no mundo.

O Fórum Mundial da Bicicleta 

11082_966363906710253_5002634232087751844_nFevereiro é um mês muito esperado pelos ciclistas, pois abriga o Fórum Mundial da Bicicleta. Este ano a 4a. edição do fórum ocorreu de 26 de fevereiro ao primeiro de março em Medellín, na Colômbia, e o Pedala Manaus foi lá conferir enviando a maior delegação entre as várias entidades brasileiras e apresentando dois trabalhos.

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O fórum, um grande congraçamento de técnicos em mobilidade por bicicleta, ciclistas apaixonados e simpatizantes, mostrou outra identidade e parece ter inaugurado uma nova era no que toca ao formato dessa discussão em torno da ciclomobilidade no mundo.

Concebido no Brasil após um atropelamento em massa de ciclistas de forma intencional por um carro dirigido por Ricardo José Neis em Porto Alegre em fevereiro de 2011, o fórum foi pensado como uma grande reunião de pessoas para discussão e trocas de experiências e boas práticas em torno da bicicleta. Assim espera-se garantir que o tema se torne presente e paute as discussões sociais e políticas de cada lugar que o receba, e também, por óbvio, evitar que se repitam episódios lamentáveis como o do atropelamento em massa.

Estrutura e Organização do Fórum

foto aline cavalcante
Com as três primeiras edições ocorridas no Brasil, o 4º. Fórum Mundial da Bicicleta ganhou asas e foi para a Colômbia. Medellín apresentou um fórum grandioso, com uma estrutura impecável e registro de movimentação de mais de nove mil pessoas nos dias do evento. Pessoas de todo o mundo (apesar de esmagadora maioria Latina) participando em conferências, oficinas, grupos, passeios de bicicleta, yoga para os ciclistas, reuniões, apresentações de livros, sessões de cinema e compartilhamento de idéias, preocupações e conhecimento. E enchendo a cidade com bicicletas e boas vibrações.

O que chamou a atenção de início foi o gigantismo do evento. Embora a abertura tenha ocorrido oficialmente ao ar livre, em um pequeno palanque na frente do Teatro Pablo Tobon Uribe, a quase totalidade das atividades ocorreu no moderno centro de convenções da Plaza Mayor.

A sessão inicial teve Aníbal Gaviria, prefeito de Medellín, que anunciou planos de mobilidade, a curto e médio prazo e prometeu que até 2030, 10% das viagens da capital serão de bicicleta. Num auditório gigantesco quase lotado falaram ao público figurões da mobilidade urbana, a exemplo dos ex-prefeitos de Bogotá Enrique Penãlosa e Antanas Mockus, e secretários de vários municípios da América Latina como Jilmar Tatto, o secretário de transportes de São Paulo. Foi uma enorme e muito bem articulada festa mundial da bicicleta, com presença de nomes importantes de pessoas que fizeram a diferença em suas cidades no que diz respeito a ciclabilidade. Foi bonito ver a importância que as instituições públicas vem atribuído à bicicleta na mundo.

O enorme auditório dividia-se rapidamente em vários outros espaços acusticamente isolados para os painéis menores que se seguiam às grandes apresentações. No hall e na frente do centro de convenções instalaram-se estandes dos patrocinadores. Ao lado houve também feirinha de produtos relacionados a bicicleta. A estrutura e o tamanho do fórum, movida por vários voluntários em sua maioria ciclistas colombianos, impressionou os brasileiros que organizaram os primeiros três.11037316_966363323376978_6955563915429819035_n

Um dos melhores momentos foi quando Jaime Ortiz, co-fundador das ciclovias de Bogotá, falou logo em seguida a Janette Sadik-Khan, ex-secretária de transporte de Nova Iorque, comentando que as boas práticas ou soluções nem sempre precisam vir de Copenhagen ou Amsterdã e que para mesmos problemas podem ser pensadas soluções diferentes, com criatividade, inteligência, coragem e sempre respeitando as culturas e as particularidades de cada local.

Por outro lado, nem tudo foi positivo. Palestras de figuras importantes, oficinas e painéis ocorriam paralelamente durante todo o dia. Nesta dinâmica, muito conteúdo interessante deixou de ser apreciado pelos participantes, não somente pela concomitância das apresentações, mas também porque concorriam com palestras de grandes nomes. Em razões disso, muitos cicloativistas e coletivos oriundos de várias partes da América, que lá acorreram para apresentar seus trabalhos, ficaram de certa maneira decepcionados, pois não puderam compartilhar suas iniciativas, considerando o público diminuto que os assistiram.

Houve também alguma deficiência no sistema das bicicletas compartilhadas da cidade, que acabou por deixar na mão muita gente que, ante a possibilidade de utilizá-lo, preferiu não levar sua bici a Medellín. Por causa disso boa parte dos cicloativistas esteve no fórum a pé, e não pedalando.

Talvez a falta de interação e de uma maior aproximação entre as pessoas, suas práticas e a troca de experiências tenha ficado prejudicada com a grandiosidade do evento. Não há como negar que o fórum realizado pelos colombianos foi impecável sobre o ponto de vista da organização e estrutura, mas isso afastou o abraço, a conversa, o olho no olho, a aproximação e a troca de conhecimento entre as pessoas. 11042940_966363080043669_5353785538447256023_n

Tal fato pôde ser comprovado nos espaços abertos para o público,  nos quais se viam pessoas se reencontrando, pessoas se conhecendo e sedentas por trocas que não poderiam se dar nas grandes conferências e nem tão pouco em tantas apresentações menores que se davam simultaneamente.

Vale ressaltar, a grande pedalada da massa crítica que teve início na Plaza Mayor, local onde aconteceu o Fórum, durou cerca de três horas percorrendo as ruas do centro e da periferia da cidade e que reuniu centenas de ciclistas de todo o mundo que encheram as ruas de Medellín com suas bicicletas e aquele barulho todo que só o ser humano consegue fazer.

Pedala Manaus 

Participante de todas as edições anteriores, este ano o Pedala Manaus levou para a Medellín a maior delegação entre as várias entidades brasileiras. Ao todo foram dez pessoas que participaram de várias trocas de experiência e conhecimento. Além disso, o pedala Manaus apresentou dois trabalhos que foram selecionados entre as mais de 300 propostas enviadas do mundo inteiro, o projeto das “Estações de Reparos Rápidos de Bicicletas” e a pesquisa que traz o tema “Bicicleta e Saúde Mental”.

O projeto das “Estações de Reparos Rápidos de Bicicletas” é uma intervenção urbana feita em parceria com a iniciativa privada e a Prefeitura de Manaus e que incentiva pessoas a usarem a bicicleta. Trata-se de um totem com ferramentas genéricas e uma bomba de ar que permite manutenções e ajustes rápidos em qualquer tipo de bicicleta e oferecem muitos benefícios, pois melhoram a conveniência entre os ciclistas e fomentam o uso da bicicleta. Além disso, a estações são de uso gratuito, ficam localizada em espaço público, disponíveis e sem restrições para qualquer ciclista. O trabalho também mostra que uma parceria entre a iniciativa privada e a sociedade civil organizada pode trazer benefícios para cidade, promovendo benfeitorias que talvez o poder público não conseguisse realizar devido a escassez de recursos, sejam monetários ou de tempo. Neste formato, foram as primeiras instaladas no Brasil.

O segundo trabalho intitulado “Bicicleta e Saúde Mental” trata das transformações sociais e do potencial de melhoria da saúde mental e da qualidade de vida dos ciclistas urbanos. Sob o angulo psicologia social, o trabalho resulta de inúmeros depoimentos espontâneos de ciclistas que apontam melhorias em vários aspectos de suas vidas, se sentem mais dispostos, menos ansiosos, estressados e/ou deprimidos, com melhor convívio e desempenho social e vivendo a cidadania com mais protagonismo, visto que pedalando pela cidade, o ciclista se sente mais responsável e participativo nos espaços públicos.

A Cidade de Medellín

Pedalando pela cidade foi possível constatar que Medellín, nas palavras de Renata Falzoni, já vem “pensando a bicicleta” há algum tempo. Calçadas largas, ciclovias (ou ciclorutas como chamam na Colômbia) e faixas de pedestres no mesmo plano das 11025218_966363230043654_9194800483546421181_ncalçadas – de forma a deixar claro que o carro é que está entrando em um espaço que não é seu ao cruzar a faixa e as ciclovias – arborização e interligação de boa parte dos trajetos, possibilidade de levar bicicletas no metrô, trilhos para a descida das bicicletas nas escadas do metrô, deixaram claro que as cidades brasileiras têm muito a aprender com aquela, que faz juz ao título de cidade inovadora, a respeito da ciclabilidade, e que recebeu a todos com imensa hospitalidade. Aqui fica nosso agradecimento ao povo de Medellín.

Lá, porém, também há problemas semelhantes aos nossos, como a ocupação de ciclovias por carros, vendedores ambulantes e prestadores de serviço; e a carência de malha cicloviária para as zonas mais periféricas da cidade.

Santiago no Chile sediará o próximo fórum em 2016

No último dia, a assembléia geral do IV Fórum Mundial da Bicicleta escolheu a cidade de Santiago no Chile como sede da quinta edição, em 2016. Candidataram-se seis cidades: Buenos Aires (Argentina), Cidade do México (México), São Paulo (Brasil), Quito (Equador), Santiago (Chile) e Moscou (Rússia). O fato de haver tantas cidades candidatas indica que o Fórum Mundial da Bicicleta ganhou importância e relevância, o que é excelente e marca um pensamento coletivo de reconhecimento do transporte ativo como preocupação mundial, e abraçou o mundo e pelo que se viu esse ano com a disputa entre várias cidades para sediá-lo em 2016, como Moscou, ele poderá atravessar o oceano e cada vez mais ganhar a cara de quem o apresenta, e isso é natural e esperado.

É desejável que a construção do fórum conserve-o com a maior parte das características atribuídas pelos brasileiros, a exemplos da horizontalidade, liberdade, independência e auto-gestão. A saída do fórum para Colômbia, entretanto, alertou-nos para a possibilidade de que uma característica importante e tão peculiar aos brasileiros poderá ficar pelo caminho, qual seja o amor brilhando nos olhos de cada um que fala da bicicleta com aquela paixão que arrebata e nos dá aquela vontade enorme de pedalar.

Percebeu-se na assembléia o conflito entre a burocratização, que pareceu necessária aos organizadores do Fórum, e a informalidade libertária dos cicloativistas da platéia. Prevaleceu a vontade da platéia e, em Santiago, o próximo destino do fórum, a coisa deverá mudar um pouco. Sair mais dos auditórios, ganhar as ruas, ser menos formal e permitir uma maior interação entre os coletivos Assim espera-se, pois foi declamando um poema que Pablo Arriagada, apresentou a candidatura da campanha vencedora chilena. Além disso, Pablo é antropólogo, estudou a influência da bicicleta no olhar das pessoas sobre a cidade, e atualmente organiza passeios ciclísticos culturais por Santiago (Bicipaseos Patrimoniales) nos quais relata fatos ocorridos que não estão na história oficial dos lugares por onde passa o trajeto.

Enfim, em 2016, a Santiago vamonos a pedalear!!!

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