A democracia prevê, para sua existência plena, entre outros fatores, a participação social nos processos decisórios. Sendo assim, pergunta-se: existe democracia sem participação?

A Constituição de 1988 responde que não, quando inclui em seu conteúdo princípios regidos pela participação democrática e o controle social. Para tanto, a participação popular na administração pública foi garantida adotando a democracia como um dos preceitos básicos do modelo de Estado, diferenciando-se dos demais, como as ditaduras, por exemplo, justamente por garantir a inclusão dos cidadãos nos atos decisivos de exercício do poder.

Neste sentido, no entendimento de Débora Nunes, de que “num país onde o poder de decisão foi historicamente monopolizado pelos representantes de uma elite econômica muito restrita, a participação da população significa uma democratização desse poder” (Organizações e Sociedade. 2006, p. 14 v. 6, n.16. Salvador: EAUFBA, 2006;).

Como um Estado Democrático de Direito de modelo de gestão pública participativa, a “Constituição Cidadã”, como é chamada a Constituição de 1988, em seu texto, de forma programática, garante a participação popular na transferência das atribuições legislativas aos demais entes federados, incluindo, por exemplo, o processo de construção, execução e monitoramento dos Planos Diretores e de Mobilidade Urbana nas cidades.

Assim, democratizar a democracia através da participação popular significa intensificar e melhorar a qualidade das decisões e, sobretudo, levar em conta . A cultura de gestão participativa é indispensável para se conseguir atingir uma política urbana que garanta melhores condições de vida da população e que, de fato, promova um desenvolvimento sustentável, inclusivo, voltado para a redução das desigualdades sociais e da melhoria ambiental – vertentes dos conceitos modernos de mobilidade urbana.

No mesmo sentido da Constituição de 1988, a Política Nacional de Mobilidade (PNMU), (Lei nº 12.587/2012)  traz diretrizes para o ordenamento e integração entre os diferentes modos de transporte, prevê princípios de uma mobilidade urbana sustentável e apresenta instrumentos possíveis para aplicação da Política no âmbito dos municípios.

A PNMU tem como um de seus objetivos principais, a gestão democrática (Art. 2) e ela vai além e tem como um de seus princípios a democracia participativa e o controle social no  planejamento, fiscalização e avaliação da política local de mobilidade urbana (inciso V do Art. 5º).

Dessa forma, a participação da sociedade civil no planejamento, fiscalização e avaliação das diretrizes, princípios e objetivos da Política Nacional de Mobilidade Urbana deverá ser assegurada pelos instrumentos de órgãos colegiados com a participação de representantes do Poder Executivo, da sociedade civil e dos operadores dos serviços (inciso I do Art. 15) e procedimentos sistemáticos de comunicação, de avaliação da satisfação dos cidadãos e dos usuários e de prestação de contas públicas (inciso IV, do mesmo artigo).

Consolidando a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana (inciso V do Art. 7º), e expressamente como um dos direitos do usuário a participação do planejamento, da fiscalização e da avaliação da política local de mobilidade urbana (inciso II do Art. 14).

O próprio Caderno de Referência para Elaboração de Plano de Mobilidade Urbana, desenvolvido pelo Ministério das Cidades para orientar os municípios quanto ao processo de criação dos respectivos Planos, orienta para a “Constituição de organismos específicos de participação popular permanente no município, como Conselhos de Transporte e Mobilidade, definindo suas competências, abrangência de atuação e estrutura de funcionamento.” (Pag. 116).

Para a efetivação, e como instrumento de gestão integrada e obtenção de recursos, a PNMU determinou a elaboração de Planos de Mobilidade Urbana – PlanMob para as cidades acima de 20.000 (vinte mil) habitantes, que obrigatoriamente deverão seguir os princípios, os objetivos e as diretrizes da Política.

Deste modo, mesmo com várias reclamações quanto a falta de meios efetivos para a real participação popular e de transparência em todo processo de elaboração do PlanMob em Manaus, sua minuta foi encaminhada à Câmara Municipal de Manaus pela Prefeitura de Manaus em 18/11/2015, onde tramitou com regime de urgência.

A minuta, respeitando as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, tinha como conteúdo a criação do Conselho de Mobilidade Urbana (Art. 20 e incisos). Um Conselho de Mobilidade, já existente em outras capitais do Brasil, tem como objetivo efetivar a participação popular e proporcionar a gestão democrática, por meio da discussão de temas, projetos, avaliação de indicadores e promoção junto à sociedade da discussão sobre a mobilidade urbana.

Pelo projeto original do PlanMob enviado à Câmara, o Conselho de Mobilidade seria criado no prazo de até 12 (doze) meses a contar da publicação da lei (inciso II do Art. 27), enfatizando sua importância estratégica para a garantir o acompanhamento democrático da execução do Plano.

O Conselho de Mobilidade urbana efetivaria também a participação dos usuários de diferentes modos de transporte, tais como pedestres, ciclistas, dentre outros. Podendo estes sugerir, opinar e fiscalizar as ações e medidas voltadas à mobilidade, aprimorando o controle e participação dos meios e fins para o desenvolvimento de uma Manaus mais democrática e sustentável..

Ocorre que, lamentavelmente, após votado o projeto de lei do Plano, o Art. 20, que instituía o Conselho de Mobilidade Urbana foi vetado em sua integralidade pelo Prefeito de Manaus, Arthur Neto. Esse ato demonstra uma atitude antidemocrática e, implicitamente, a falta de transparência por parte da Prefeitura, uma vez que optou por garantir o Conselho de Mobilidade a todo o momento da tramitação, decidindo pelo seu veto após aprovação da sociedade e da Câmara de Vereadores no ultimo dia do ano legislativo.

Depreende-se desse fato que, de tão apressado, o texto sequer foi revisado em sua integralidade, pois, o Conselho de Mobilidade ainda permanece no rol do Art. 27 (prazos de implantação) e na diretriz do programa, mesmo sendo vetado em sua integralidade.

Ainda, quanto a permanência do Observatório de Mobilidade Urbana, importante elucidar que tal órgão não substitui o Conselho de Mobilidade Urbana, sendo o Observatório um órgão auxiliar, responsável por coletar e processar informações que servirão como subsídio às discussões na sociedade (Art. 21) para posteriormente serem efetivadas pelo natimorto Conselho de Mobilidade.

Agora, espera-se que a Câmara Municipal de Manaus, ao apreciar os vetos, tenha uma posição lúcida, democrática e de independência mínima para com o Executivo: derrube o veto para garantira existência do Conselho de Mobilidade Urbana. Dessa forma, a Câmara resguardará a garantia constitucional de uma gestão democrática na mobilidade urbana, se manterá coerente com sua primeira votação e atenderá aos desejos da sociedade manauara.